Navegar é preciso - O Projeto Human Connectome e a influência da síndrome depressiva na prática clínica

O Projeto Human Connectome teve início em 2010, quando o National Institutes of Health (NIH) – um braço do Departamento de Saúde dos Estados Unidos (United States Department of Health & Human Services, HHS) – concedeu 40 milhões de dólares a dois consórcios para o desenvolvimento de métodos de neuroimagem de alta qualidade. O objetivo final é adquirir um conjunto de dados de tamanho e qualidade sem precedentes, com o intuito de mapear o cérebro humano em uma escala macroscópica.1 O projeto visa detalhar todas as conexões anatômicas e funcionais, de curta e longa distância, entre todas as áreas do cérebro. Consideradas as devidas proporções, assemelha-se ao Projeto Genoma, mas desta vez não se propõe a mapear o DNA humano, e sim o cérebro humano. O Human Connectome tem importantes implicações práticas, pois somente através de mapas detalhados das áreas do cérebro e de suas conexões poderemos compreender a função cerebral normal e, consequentemente, desvendar seus mistérios. Além disso, o mapeamento do cérebro “normal” expandirá a nossa capacidade de compreender e tratar distúrbios neurológicos e psiquiátricos.1,2 Para navegarmos nas áreas do cérebro, precisamos de mapas que nos guiem pelos seus infinitos caminhos e conexões. 

Como o mapeamento do cérebro pode influenciar a prática clínica
Este texto tem como base a premissa de que o comportamento humano é a manifestação mais sensível do funcionamento cerebral.3 Dessa maneira, alterações do comportamento, tanto neurológicas como psiquiátricas (se é que essa divisão existe de fato), acontecem sob o pano de fundo de redes cerebrais anatômicas e funcionais que são responsáveis pelo processamento funcional alterado.4,5 Assim, alterações da memória recente, por exemplo, estão intrinsicamente ligadas à rede da memória episódica, tendo o hipocampo como seu componente central. Da mesma forma, distúrbios da linguagem, como as afasias, têm seus componentes centrais (áreas de Broca e de Wernicke) localizados no hemisfério esquerdo. Porém, transtornos comuns e frequentes na prática clínica, como a depressão, ainda são manejados sem a correlação neuroanatômica e funcional com regiões cerebrais fundamentais para o processamento emocional.4,5 Em paralelo com o Projeto Human Connectome, este artigo tenta fazer um mapeamento anatômico e funcional das regiões envolvidas na neurobiologia da depressão, com base nos dados disponíveis no momento. 

“[...] alterações do comportamento, tanto neurológicas como psiquiátricas (se é que essa divisão existe de fato), acontecem sob o pano de fundo de redes cerebrais anatômicas e funcionais que são responsáveis pelo processamento funcional alterado.4,5

Depressão: humor, cognição e controle vegetativo
Atualmente o diagnóstico de depressão é baseado na sintomatologia clínica, assim como a grande maioria dos distúrbios psiquiátricos, e não existe um marcador biológico específico e de uso clínico. De acordo com o DSM-5, a presença de humor deprimido e/ou anedonia (redução do interesse e da capacidade de experimentar prazer) são necessários para o diagnóstico.6 Porém, quando se analisam os demais critérios, fica claro que a depressão não engloba apenas sintomas relacionados ao humor. Sintomas vegetativos (alteração do apetite, sono, interesse sexual) e sintomas cognitivos (dificuldade de concentração, alentecimento ou agitação psicomotora, pensamentos de menos valia ou culpa) fazem parte da “síndrome depressiva”. Dessa forma, a neurobiologia da depressão envolve circuitos cerebrais relacionados não somente ao processamento emocional, mas também aos processamentos cognitivo e vegetativo.

Processamento emocional e córtex pré-frontal
Um conjunto amplo e convergente de informações localiza o processamento emocional no cérebro humano em uma série de regiões do córtex pré-frontal (CPF), principalmente as subdivisões ventromedial (CPFvm), ventrolateral (CPFvl), dorsomedial (CPFdm) e dorsolateral (CPFdl), cada uma com uma especialização funcional diferente.7-10 Destaca-se no CPFvm a porção subgeniculada do córtex do cíngulo anterior (CCAsg), região abaixo do joelho do corpo caloso. Essa região é intensamente conectada com regiões subcorticais e corticais e é o principal local eferente dos sistemas de regulação emocional (Figura 1).      
 

References

1. Glasser MF, Smith SM, Marcus DS, Andersson JL,
Auerbach EJ, Behrens TE, et al. The Human Connectome
Project’s neuroimaging approach. Nat Neurosci. 2016 Aug
26;19(9):1175-87. doi: 10.1038/nn.4361.
2. Van Essen DC, Smith SM, Barch DM, Behrens TE,
Yacoub E, Ugurbil K; WU-Minn HCP Consortium. The
WU-Minn Human Connectome Project: an overview.
Neuroimage. 2013 Oct 15;80:62-79. doi: 10.1016/j.
neuroimage.2013.05.041. Epub 2013 May 16.
3. Cummings JL, Mega MS. Neuropsychiatry and
behavioral neuroscience. 1st ed. New York, NY, USA:
Oxford University Press; 2003. 432 p.
4. Arzy S, Danziger S. The science of neuropsychiatry:
past, present, and future. J Neuropsychiatry Clin
Neurosci. 2014 Fall;26(4):392-5. doi: 10.1176/appi.
neuropsych.13120371.
5. Zeman A. Neurology is psychiatry – and vice versa.
Pract Neurol. 2014 Jun;14(3):136-44. doi: 10.1136/
practneurol-2013-000761. Epub 2014 Feb 3.
6. American Psychiatry Association, editor. Diagnostic and
statistical manual of mental disorders – DSM-5. 5th ed.
Arlington, VA, USA: American Psychiatric Association
Publishing; 2013. 991 p.
7. Dickerson BC. Dysfunction of social cognition and
behavior. Continuum (Minneap Minn). 2015 Jun;21(3
Behavioral Neurology and Neuropsychiatry):660-77. doi:
10.1212/01.CON.0000466659.05156.1d.
8. Price JL, Drevets WC. Neural circuits underlying the
pathophysiology of mood disorders. Trends Cogn Sci. 2012
Jan;16(1):61-71. doi: 10.1016/j.tics.2011.12.011. Epub 2011 Dec 21.
9. Bechara A, Damasio H, Tranel D, Damasio AR. The Iowa
Gambling Task and the somatic marker hypothesis: some
questions and answers. Trends Cogn Sci. 2005 Apr;9(4):159-
62; discussion 162-4. doi: 10.1016/j.tics.2005.02.002.
10. Palazidou E. The neurobiology of depression. Br
Med Bull. 2012;101:127-45. doi: 10.1093/bmb/lds004.
Epub 2012 Feb 14.
11. Koenigs M, Grafman J. The functional neuroanatomy
of depression: distinct roles for ventromedial
and dorsolateral prefrontal cortex. Behav Brain
Res. 2009 Aug 12;201(2):239-43. doi: 10.1016/j.
bbr.2009.03.004. Epub 2009 Mar 17.
12. Drevets WC, Savitz J, Trimble M. The subgenual anterior
cingulate cortex in mood disorders. CNS Spectr. 2008
Aug;13(8):663-81.
13. Hamilton JP, Farmer M, Fogelman P, Gotlib IH.
Depressive rumination, the default-mode network,
and the dark matter of clinical neuroscience. Biol
Psychiatry. 2015 Aug 15;78(4):224-30. doi: 10.1016/j.
biopsych.2015.02.020. Epub 2015 Feb 24.
14. MacLean PD. Psychosomatic disease and the visceral
brain; recent developments bearing on the Papez theory
of emotion. Psychosom Med. 1949 Nov-Dec;11(6):338-53.
15. Neumeister A, Wood S, Bonne O, Nugent AC,
Luckenbaugh DA, Young T, et al. Reduced
hippocampal volume in unmedicated, remitted
patients with major depression versus control
subjects. Biol Psychiatry. 2005 Apr 15;57(8):935-7.
doi:10.1016/j.biopsych.2005.01.016
16. Malykhin NV, Coupland NJ. Hippocampal neuroplasticity
in major depressive disorder. Neuroscience. 2015 Nov
19;309:200-13. doi: 10.1016/j.neuroscience.2015.04.047.
Epub 2015 Apr 28.
17. Burt DB, Zembar MJ, Niederehe G. Depression
and memory impairment: a meta-analysis of the
association, its pattern, and specificity. Psychol Bull. 1995
Mar;117(2):285-305.
18. Mesulam M. The evolving landscape of human
cortical connectivity: facts and inferences.
Neuroimage. 2012 Oct 1;62(4):2182-9. doi: 10.1016/j.
neuroimage.2011.12.033. Epub 2011 Dec 22.
19. Catani M, Thiebaut de Schotten M, Slater D, Dell’Acqua
F. Connectomic approaches before the connectome.
Neuroimage. 2013 Oct 15;80:2-13. doi: 10.1016/j.
neuroimage.2013.05.109. Epub 2013 Jun 2.